domingo, 9 de março de 2008

A Casa da Solidão



Na casa da solidão mora uma velha magra e malvada chamada saudade.
A saudade vive a remexer as gavetas do passado, mesmo sabendo que não pode mais tocar no que está guardado nelas.
Ele caminhava à beira mar, já com o sol se pondo.
Aproveitava aquela escuridão que aos poucos ia tomando conta da praia, primeiro num tom de azul que ia passando para lilás e mais escuro e mais escuro até a completa escuridão.
Ele gostava da escuridão porque se sentia mais só.
Ele gostava de SER SÓ.
Foi se aproximando de umas casas, aparentemente abandonadas, mas em uma delas havia uma luz, uma luz trêmula e fraca como de uma vela.
E um som vinha daquele casebre.
Um som doce, sereno, mas que à distância em que estava ainda não conseguia identificar.
Resolveu se aproximar, observando bem aquele lugar: parecia ser uma vila de pescadores abandonada.
Chegou à porta da casa.
Agora já dava pra saber que a música era a Ave Maria, mas não conseguiu lembrar se era de Schubert ou de Gounod, embora isso não importasse naquele momento.
Lá dentro, uma velhinha vestida de preto e com um véu de renda sobre o rosto, escutava atentamente o rádio de pilha.
Eram 6 horas da tarde.
Depois de esperar o fim daquilo que para ele parecia uma oração, pediu licença para entrar e puxou conversa com a senhora.
Ouviu dela toda sua história.
Ela vivia ali com seu marido e outras famílias de pescadores.
Numa certa noite, seu marido saiu para pescar, como era de costume, mas não voltou.
Ela esperou uma, duas, três noites.
Esperou meses, anos, espera até hoje.
Aos poucos, as famílias foram abandonando o lugar, ela foi envelhacendo, enfraquecendo, mas jamais havia perdido a esperança.
Há mais de dez anos aquele lugar havia ficado totalmente vazio.
Só ela continuava lá.
Todos os dias, como fazia quando ainda tinha seu grande amor ao seu lado, ela se arrumava, ouvia a Ave Maria, jantava e depois ia para a praia esperar seu marido retornar da pescaria. São noites tão longas quanto a espera de uma vida inteira.
A cada nascer do sol, a luz do dia revela as lágrimas, a saudade, a decepção de mais uma noite que começa e termina solitária.
Ao final, com os olhos cheios de lágrima e com o coração incômodamente contrito, despediu-se da velhinha e voltou para a praia decidido a retornar imediatamente para sua família.
Havia se deparado com as três faces mais cruéis da solidão: a saudade, a esperança e o apego ao passado.
Decidiu que não queria mais SER SÓ.

Nenhum comentário: